quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O barroco é fruto duma atitude espiritual complexa!


Na Literatura Portuguesa, a designação e «barroco» para classificar determinada época e determinado estilo tornou-se quase ambígua, em virtude das muitas e desvairadas acepções que à palavra foram atribuídas. De «barroco» sinónimo de bizarro, de «barroco» esquema escolástico de silogismo falso, de «barroco» termo corrente na crítica de artes plásticas, sinal de mau gosto e coisa absurda, passou-se a «barroco», etiqueta histórica e estética, que se dava como equivalente ou palavra substituta de «Seiscentismo».
(...)
O barroco é fruto duma atitude espiritual complexa, carregada de elementos renascentistas, evoluídos ou alterados, atitude que leva o Homem a exprimir-se, na pintura, na arquitectura, na poesia, na oratória e na vida, segundo um modo "sui generis". Este modo concretiza-se na literatura por uma rebusca da perfeição formal, uma aventura de arte pela arte. Na prosa de Seiscentos, os períodos articulam-se em paralelismos e simetrias, em fracções sabiamente bimembres ou trimembres, em antíteses (...).
Os limites cronológicos do barroco português podem fixar-se, sem rigidez, entre os anos de 1580 e 1680. (...) A prosa atinge nesta época a sua maioridade. Entramos num mundo novo de ritmo e estruturação da frase, num novo sistema de articulação das palavras na frase e das frases no discurso. A prosa «barroca» é uma prosa artística; possui a maturidade que não alcançara a prosa de Quinhentos. (...)
São barrocas obras como (...) os sermões de Vieira - no seu conceptismo e na valorização da palavra como verbo - «logos» e música (...)
Mas o gongorismo não contagiou muitos prosadores seiscentistas, nem o conceptismo obscureceu o significado dos seus parágrafos. Foi na poesia que a sombra de Gôngora se agigantou; o gongorismo levou muitos poetas ou pseudo-poetas de Seiscentos a exageros que se generalizaram. Nos primeiros anos do século XVII ainda a voga da poesia camoniana é grande , e tal voga acusa-se visível no cancioneiro barroco que é a FÉNIX RENASCIDA (v.), onde encontramos muitas glosas de poesias de Camões. Não se esqueça, no entanto, que o grande teorizador do barroco, Baltazar Gracián, cita Camões a título documentativo, no seu TRATADO DE AGUDEZA Y ARTE DE INGENIO. Talvez não fosse descabido procurar, pois, a génese do barroco português em agudezas camonianas, se é que não podemos vislumbrar já tal génese no CANCIONEIRO GERAL de Garcia de Resende.
Mas Gôngora é o grande mentor dos poetas maiores e menores de Seiscentos, que não se cansam de o imitar. (...) Alusões mitológicas, requintadas e brilhantes metáforas, nugas transformadas, pela capacidade dialéctica do verbo, em filigranas de beleza pura, cujo suporte mais corrente é o ritmo do verso e a eufonia das palavras - eis os ingredientes mais comuns da poética barroca. A poesia culta reluzia, brilhava, recamada de lantejoulas; eram de prata os rios, pérolas as lágrimas, e havia ouro e diamantes em quase todos os versos do Parnaso.
(Belchior, Maria de Lurdes, DICIONÁRIO DE LITERATURA)

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